Carta manifesto do I Seminário das Originárias da Terra

Durante os dias 15 e 16 de outubro de 2022, as Mulheres Terra, Raízes, Sementes e Água* da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA) se reuniram em Brasília para realizar o I Seminário das Originárias da Terra.

As 62 mulheres indígenas presentes no encontro representam lideranças nacionais, regionais, locais e internacionais do movimento que reunidas nesse momento compartilham suas lutas, histórias de vida e reforçam a união entre mulheres indígenas de todo o planeta.

Agradecemos e comemoramos a presença e participação das 4 Mulheres Água (internacionais) lideranças icônicas de seus países, que ampliam a conexão solidária entre mulheres na luta global por seus territórios, saberes, corpos e ciências. São elas: Elisa Loncón (Chile), Engracia Perez Castro (México), Rosita Aguilar (México), Celestina Castillo (México).

O ano de 2022 foi marcado por lutas e vitórias históricas para o movimento das mulheres indígenas, um ano de desafios que demandou das Guerreiras o avanço de seus caminhos, muitas vezes em direções diferentes, mas nunca divergentes.

A ANMIGA assumiu seu compromisso com as mulheres indígenas de todos os biomas, e mesmo diante de um contexto de aumento da violência contra seus corpos, territórios e espíritos, realizou a Caravana das Originárias da Terra e aldearam a política institucional a partir da eleição das Deputadas Federais da Bancada do Cocar.

A Caravana das Originárias foi construída através de 18 encontros em 14 estados brasileiros, alcançando diretamente 846 mulheres indígenas e estendendo seu impacto para mais de 5 mil mulheres indígenas de forma indireta. Abrindo espaço para a partilha e debate, entre mulheres indígenas, suas histórias, experiências, lutas e para a construção de laços e relações entre elas de forma a fortalecer e empoderar as parentas também em seus territórios.

A Bancada do Cocar, construída pelas mulheres indígenas como plataforma política de ocupação institucional, contou com 7 candidaturas de mulheres como Deputadas Federais e 10 candidatas como Deputadas Estaduais.  O número de mulheres candidatas indígenas nas Eleições 2022 é o responsável pelo crescimento de parentes indígenas postulantes a um cargo eletivo desde 2014: a participação das mulheres registrou um aumento de 193%, passando de 29 para 85 candidaturas. O crescimento dos candidatos homens nesse período foi de 80,35%.

A presença e atuação indígena na Câmara dos Deputados se inicia com Mário Juruna, continuado anos depois por Joênia Wapichana. Ressaltamos a importância do mandato da Joênia, primeira mulher indígena Deputada federal que ocupou e alargou o espaço político para a participação institucional e incidência direta sobre os debates nacionais para as mulheres indígenas. Em 2022, as mulheres indígenas inauguram um novo marco civilizatório para a sociedade brasileira, a partir da eleição de mais duas mulheres indígenas apoiadas pela construção coletiva de suas propostas políticas articuladas através da ANMIGA.

A vitória da Bancada do Cocar está expressa na vitória das deputadas eleitas Sônia Guajajara, com mais de 157 mil votos em São Paulo, e Célia Xakriabá com mais de 100 mil votos em Minas Gerais, e também nos expressivos votos recebidos pelas outras candidatas, que mesmo que ainda não eleitas, chegam a este momento fortalecidas, potentes e confiantes de seus papéis e espaços políticos a serem conquistados também nas diversas escalas do poder institucional.

As Guerreiras Indígenas candidatas em 2022 enfrentaram diversos cenários de violência e racismo institucional durante suas campanhas. Os processos eleitorais e partidários, tradicionalmente conservadores, machistas e racistas, se encarregaram de reforçar suas barreiras à participação das mulheres.

Mesmo diante da ausência ou escassez de recursos para suas campanhas, do apagamento de seu protagonismo pelos partidos, dos ataques diretos e indiretos e também da falta de apoio de setores machistas do próprio movimento indígena, as Mulheres Indígenas celebram sua vitória coletiva e reafirmam seu compromisso com o aldeamento da política também no pleito municipal.

A caminhada e luta das mulheres indígenas, agora com incidência direta no poder legislativo através da atuação de Sônia e Célia, segue enraizada nos territórios e nas bases do movimento de mulheres indígenas a partir da atuação da ANMIGA, que através da Caravana das Originárias fortaleceu e empoderou a rede das organizações de mulheres em suas terras e comunidades.

Somos mulheres originárias,  reflorestando as mentes, ao som de nossas vozes, cantos rezas e maracás, seguimos aldeando a política em um ano de eleição onde nossos corpos seguem sofrendo violentamente as consequências da política anti-indígena no Brasil. Seguimos enraizando a bancada do cocar, alimentadas pela terra, e multiplicado pelas sementes.

Por um Brasil mais humano para as mulheres originárias, pelas florestas em pé, pelos rios, pelo nosso povo gritamos!! Demarcação JÁ!

Brasília, 16 de outubro de 2022

* A ANMIGA é composta por mulheres indígenas a partir de suas escalas de atuação e articulação. As Mulheres Raízes são as mulheres articuladoras à nível do território; as Mulheres Sementes são as mulheres articuladoras à nível do estado; as Mulheres Terra são as mulheres articuladoras a nível dos biomas brasileiros; e por fim, as Mulheres Água que são as mulheres a nível internacional. 

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